A história fotográfica de Brusque na Internet

Dr. Carlos Prudêncio e a criação da urna eletrônica

Findava a década de 1970 e o então juiz Carlos Prudêncio não entendia como poderia haver tanta demora na divulgação dos resultados dos pleitos eleitorais. A partir de 1978, ele começa a “aligeirar” a contagem de votos, muitas vezes varando noites em claro, para ser um dos primeiros do país a dar os resultados eleitorais. “Eu não entendia por que demorar tanto para dar os resultados das eleições e resolvi inovar, mesmo contra os interesses de grupos políticos regionais. Começava a apuração da eleição a meia noite e um minuto do dia seguinte, para não ferir a lei eleitoral do país e quando estava amanhecendo (que era quando se começava a abrir as urnas no restante do Brasil), eu já estava com a contagem praticamente pronta. Varávamos a noite fazendo a contagem e muitas vezes de manhã os eleitores já sabiam os resultados. Neste época não havia computadores e tudo era feito manualmente”, explica Prudêncio.
Só 10 anos depois, atuando em Brusque, é que definitivamente surgiu a oportunidade de Prudêncio colocar em prática seu projeto mais ousado: usar as novas tecnologias em favor do processo eleitoral. Mas tudo era ainda muito difícil, pois os hoje em dia tão populares computadores, eram uma raridade em Brusque. Havia meia dúzia deles espalhados pelas principais empresas da cidade e era quase uma utopia pensar no uso doméstico destas máquinas. 
“A primeira vez que usei um computador em eleição aconteceu quando ainda era juiz em Joaçaba, antes de vir para Brusque. Lá um jornalista que tinha o único computador da cidade, me emprestou e fizemos a totalização dos votos na máquina. Em 20 de julho daquele ano, durante o aniversário do meu filho, Roberto Pedro, recebi a visita de meu irmão Roberto Prudêncio, que era técnico de informática e dono de uma empresa na área em Blumenau. Neste dia conversamos sobre a possibilidade de usar os computadores numa votação eletrônica. Lembro que ele ficou entusiasmado com a idéia, mas previu que eu encontraria muitos percalços, visto que ainda não havia um desenvolvimento muito grande em nosso estado das tecnologias da informática e a empresa dele era muito pequena”, relembra Prudêncio.
Segundo ele, neste dia seu irmão colocou-se a disposição para ajudar, mas lhe sugeriu que procurasse empresas de grande porte que pudessem bancar os custos de um projeto deste calibre. O tempo passou e o projeto só foi adiante quando Carlos Prudêncio já estava em Brusque, no ano de 1986. “Neste ano o Itamar Mosimann (Mosimann Informática) fez a meu pedido e gratuitamente como voluntário, um programa de computador que era um sistema de somar votos. Com esse programa melhoramos ainda mais a apuração e o tempo diminui e continuamos sendo os primeiros do estado a divulgar os resultados das eleições”, diz.
Mas não era este o objetivo final de Prudêncio. Ele queria mesmo era acabar com a papelada e a loucura que era a votação e a contagem dos votos, sem falar nas mil e uma possibilidades de fraudes que a forma antiga de eleição possibilitava. Por isso, tendo como principal parceiro nos estudos do projeto que visavam criar a primeira eleição eletrônica do país, seu irmão e proprietário da Alcance Informática de Blumenau, Roberto Prudêncio, o juiz brusquense passa cerca de um ano empenhado em desenvolver um softwear (programa de computador) para testar em 1987. 
“Como o projeto demandava muitos recursos e o fórum não tinha, resolvi ir em busca de apoio no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SC). Levei o projeto de eleição eletrônica para o então presidente, o desembargador Tycho Brahe Fernandes Neto, solicitando a ele também um técnico da área para me auxiliar aqui em Brusque. Neste dia recebi diversos não, da parte do presidente. Tudo o que eu pedia, ele só dizia ‘negativo Carlinhos’. No final da conversa me negou inclusive o técnico e não deu permissão para testar meu projeto de votação eletrônica”, lembra Prudêncio. O intrépido juiz volta para Brusque desolado com a decisão do presidente do TRE. Mas enquanto voltava em companhia do irmão que havia lhe acompanhado, os dois decidem tocar o projeto adiante.
“Não desisti da idéia e resolvi tentar viabilizar a primeira eleição eletrônica de outra forma. Fui pessoalmente em quatro empresas que lidavam com informática nesta época no país, a Prológica, a IBM, a CID e a ITAUTEC. Cheguei a oferecer a elas meus direitos autorais. Todos os que visitei ficaram maravilhados com o projeto e se comprometeram a buscar aprová-lo. O resultado foi que recebi mais quatro sonoros não de todas elas. Depois disto resolvi, em conjunto com meu irmão, que iríamos tocar o projeto por conta própria. Então, o Roberto vinha todos os dias de Blumenau até o fórum de Brusque e ali, durante cerca de uma hora, nós trabalhávamos sem cessar na construção do projeto”, explica Carlos Prudêncio.
Era ainda 1987... Numa sala do fórum da Comarca de Brusque Prudêncio quebrava a cabeça em busca de uma maneira de viabilizar uma máquina de votar sem que isso custasse recursos da justiça, já que eles não existiam. “Nesta época contamos com apoio de muita gente de Brusque para elaborar o projeto. Uma destas pessoas foi Jorge Zimermann que era sócio da Ceprodahe Informática, uma das empresas pioneiras no ramo de informática em Brusque. Nosso desafio era transformar a cédula de votação de papel em impulsos eletrônicos e o Jorge e sua equipe foram grandes colaboradores”, conta Prudêncio. “A comunidade brusquense sempre esteve empenhada junto comigo e minha equipe para tornar este projeto realidade”, completa. 
Em 1988 a idéia estava adaptada a máquina (computador) e o programa pronto. Era hora de começar os testes para ver se funcionaria como o previsto. “Convidei todas as entidades organizadas da cidade, CDL, ACIBr, presidentes de sindicatos de trabalhadores e patronais, diretores de escola e muitas outras para participarem desta fase. Em junho de 1988 começamos os testes e todos ficaram maravilhados com o que viam. A pessoa votava no terminal de computador e depois votava numa cédula normal da época. Ao final fazíamos a apuração dos votos do computador e da urna e fechava tudo direitinho. Mas estávamos abertos a sugestões e criticas dos participantes dos testes e eles realmente faziam avaliações. Até as pessoas mais de idade, que todos diziam serem arredias as novas tecnologias, se diziam maravilhadas com a nossa criação e isso nos deu guarida e ânimo para tocar o projeto adiante”, relembra Prudêncio. Tudo estava pronto para ser posto em prática nas eleições de 1988, que como sabemos recebeu um sinal “negativo” do presidente do TRE. “Era para termos começado a votar por computador já neste ano”, lamenta-se Prudêncio.
Mesmo assim, contra a vontade do TRE, Prudêncio e sua equipe de entusiastas não se abateram e continuaram a aprimorar o projeto. Em 1989 novamente teria eleições e nela a oportunidade definitiva se apresentaria para que o Brasil inteiro pudesse conhecer a revolução que se iniciaria na pequena cidade de Brusque. 

1989: Brusque é destaque no Brasil

No primeiro turno das eleições realizado em 15 de novembro de 1989, os 372 eleitores da 90ª Zona Eleitoral da Comarca de Brusque se tornam os primeiros do Brasil a votar em um computador. O fato inédito logo ganhou as manchetes dos jornais do estado e do país. O Jornal Diário Catarinense do dia 16 de novembro daquele ano anunciava que os eleitores “tiveram ontem a oportunidade de participar de uma experiência inédita no Brasil, antecipando o que poderá ser regra geral nas próximas eleições: votar através do computador”. O Jornal de Santa Catarina também do dia 16, noticiava o feito ressaltando que “os resultados foram obtidos em apenas cinco segundos, dispensando os trabalhos de uma junta apuradora”.
Outras manchetes garrafais ecoam Brasil afora alardeando que “voto por computador foi usado pela primeira vez”; “Computador é surpresa em Brusque”; “Eleitores aprovam votação por computador”; “Informatização: experiência bem sucedida”. O Jornal do Comércio do Rio de Janeiro mancheteou: “Brusque fez com sucesso experiência pioneira de apuração computadorizada” enfatizando que “tal experiência, sem precedentes na história das eleições no País somente foi possível graças ao esforço e dedicação do juiz de direito, Carlos Prudêncio, com a devida autorização do TRE de Santa Catarina, tendo em vista que na legislação eleitoral não existe dispositivo referente à votação eletrônica”.
O estrondoso sucesso da votação no primeiro turno daquelas eleições trouxe para Brusque uma legião de jornalistas e autoridades para acompanhar o processo no segundo turno. O jornal de Santa Catarina com uma manchete de capa ressaltou o aumento de mais uma sessão eleitoral e o sucesso da votação. Agora já eram 790 eleitores das secções 84ª e 90ª. “Em uma experiência inédita, as empresas de informática, Alcance e Cibertron, proporcionaram a primeira votação computadorizada do país. E a exemplo do primeiro turno, o sistema mais uma vez provou sua validade”, disse o “Santa” do dia 18 de dezembro. 
A nível nacional a Folha de São Paulo, também em manchete de capa com uma destacada foto de pessoas votando no computador diz que “Computador agiliza votação em Brusque”. Ao final de longa reportagem a Folha ressalta: “A apuração dos votos da 5ª Zona Eleitoral que engloba os municípios de Brusque, Botuverá e Guabiruba terminou as 18h54. Após a divulgação dos resultados auferidos nos computadores, os votos foram recontados pelo sistema tradicional, já que o Tribunal Superior Eleitoral não reconhece a validade da contagem informatizada”. Já o “Jornal do Commercio”, que desde o primeiro turno acompanhava a eleição brusquense, publicou no dia 21 de dezembro extensa reportagem onde ressaltava que “num verdadeiro recorde nacional, foi dado o resultado da eleição poucos minutos após acabar a votação, Lula com 16.152 votos e Collor com 13.954 votos, por que o TRE aprovou para o município (de Brusque) a eleição computadorizada”. Mais adiante informava que “o presidente Hélio Mosimann, do TRE-SC visitou Brusque e parabenizou o Juiz Carlos Prudêncio, pelo êxito nas apurações”. 
A Revista Exame e a Veja também noticiaram as eleições de Brusque destacando outro grande momento que também “foi uma revolução” na materialização da idéia do voto eletrônico: a ligação dos computadores em rede. “Nesta época isso causou muito frisson, pois a interligação em rede não era comum. Neste segundo turno eu usei dois computadores para votar instalados nas sessões eleitorais, mais dois com os presidentes de mesa, e um quinto computador que ficou lá no SESI, que era a nossa base de apuração”, explica Carlos Prudêncio. Segundo ele, às 17 horas e um segundo, teclou no computador a sua senha, apertou o botão de totalização de cada urna, e em segundos estava sendo impresso o resultado. “Isso deixou todo mundo de boca aberta, pois o computador central estava longe dos outros e com apenas dois toques nos teclados já tínhamos os resultados em mãos”. A Revista Exame festejou os resultados desta conquista com a manchete “Automação está nas ruas”, assinalando que “um minuto após a votação já tínhamos o resultado”.
Em Brusque, a imprensa local exaltava sem cessar o invento. O Jornal Tribuna e o Jornal O Município estampavam manchetes especiais tratando do assunto e comentando sobre as importantes visitas que a cidade recebeu nos dias que antecederam a eleição e na própria data do feito. “Nunca se viu tanto jornalista reunido numa pequena cidade como a nossa”, dizia Cyro Gevaerd em sua Coluna semanal. O mesmo Cyro comentava os espaços concedidos pelas redes de televisão do país ao invento local: “Por isso e muito mais. Brusque foi destaque nas grandes televisões, como exemplo de eficiência, com direito a comentários de Joelmir Betting, Marília Gabriela, e outras cabeças coroadas do jornalismo nacional”.
No total a primeira eleição que oficialmente foi usado o voto eletrônico no Brasil, cobriu-se de um festejado sucesso. 
Mas nem tudo eram rosas nesta época. Dizem que ciúme de homem é pior que ciúme de mulher, e o ditado se aplica a algumas atitudes tomadas por gente da mais alta toga do estado, que não demoraram a tentar boicotar o sucesso de Brusque e do criador da eleição Carlos Prudêncio. “Logo que terminou as eleições recebi inúmeros telegramas e telefones de Ministros e Desembargadores, assim como de outras autoridades do país, parabenizando a cidade pelo feito. O Ministro e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Francisco Rezek agendou comigo a sua visita a Brusque. Por ser a mais alta autoridade eleitoral do país, nos preparamos para recebê-lo e eis que forças ocultas entraram na linha e o demoveram de vir a Brusque um dia antes da sua chegada”, conta Prudêncio. O fato inclusive foi noticiado pelo Correio Brasiliense, dizendo que o Ministro desembarcaria em Brusque com todo o seu staf para conhecer o processo que o presidente do TSE “pretende ver implantado em todo o país já nas próximas eleições, com computadores de última geração”. 
Casos como este, citamos apenas para dizer que tentativas de boicote não faltaram, porém aos poucos o Brasil inteiro viu que a criação de Brusque merecia crédito. E tanto merecia que no dia 26 de julho de 1990 o Diário Catarinense anunciava em manchete de capa que o novo Ministro do TSE, Sidney Sanches, já estava avaliando o sistema de votação de Brusque e dizendo que o Presidente do órgão “pode autorizar novo método testado em Brusque” para as eleições brasileiras. 
No dia 3 de agosto daquele ano estiveram em Brusque 27 diretores gerais dos Tribunais Regionais Eleitorais de todo o País para conhecer o processo de votação. Junto com eles também esteve na cidade o Diretor Geral do TSE, Roberto Siqueira, que saiu daqui decidido a envidar esforços para que o sistema fosse logo implantado em todo o País, como era vontade do Ministro do TSE.
Vieram as eleições de 1990 e com ela, Brusque se preparou para receber definitivamente a mais alta autoridade nacional no assunto: o Ministro Sidney Sanches.  Para surpresa até do próprio juiz Carlos Prudêncio, a cidade não recebeu apenas um Ministro e sim toda a cúpula da justiça no país. “Vieram a Brusque 17 ministros do Brasil. A Justiça do Brasil se mudou para Brusque naquele dia”, conta Prudêncio. 
Foi um momento histórico para o Estado de Santa Catarina, pois nunca se teve tantos ministros reunidos numa só cidade do interior do país. O Jornal Diário Catarinense noticiou este momento: “Cinco Ministros do Supremo Tribunal de Justiça (STF) e 12 do Superior Tribunal federal (STF) visitaram Brusque, a fim de conhecer o processo de informatização que Prudêncio implantou na comarca local a partir das eleições de 88, quando a Cidade dos Tecidos foi o primeiro município a concluir os trabalhos de apuração”. Da visita ganhou Brusque a aprovação do TSE ao sistema de votação. Sidney Sanches presidiu a eleição a partir de Brusque, foi também a primeira vez que isto aconteceu na história da cidade.
No segundo turno das eleições de 1990, o TSE acompanhou de perto Brusque e daquele momento em diante, todo esforço foi feito para implantar no país o mesmo sistema. Viria em seguida a implantação gradativa do voto eletrônico. As cidades com mais de 150 mil eleitores foram as primeiras a serem informatizadas e mais tarde toda a votação do país foi informatizada. No dia 1º de outubro de 2000 todos o municípios brasileiros votaram através do Voto Eletrônico. 
O Voto Eletrônico, já não é mais uma coisa de Brusque e sim do Brasil. 

Prudêncio não para de sonhar

Por mérito, o criador do voto eletrônico e então juiz Carlos Prudêncio foi elevado ao posto de Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Mesmo depois de ver seu invento implantado em todo o país e sendo cortejado por diversos países do mundo, Prudêncio não parou de sonhar com novas revoluções no ato de votar. “A evolução das eleições por meio eletrônico, na minha visão não param por aí”, diz ele. Em conferência proferida no Fórum Internacional de Direito Eleitoral e Penal da Amazônia, realizado na cidade de Macapá - AM, entre os dias 10 e 14 de setembro de 2003, ele resumiu o que pretende implantar para a realização das eleições do futuro. “Graças à capacidade de miniaturização e ao aumento do poder computacional dos chips, possibilita-se que as máquinas comparem impressões digitais. Soluções capazes de realizar tal feito, já se encontram disponíveis no mercado brasileiro. Apenas para termos uma idéia, o Smart Card é capaz de guardar informações como a representação matemática e outras de diferencial térmico da impressão digital do portador e todos os comprovantes de votação de eleições anteriores. Essa tecnologia, com efeito, torna possível e seguro o título de eleitor eletrônico do futuro”. Definitivamente em muitas cidades, nestas eleições de 2010, já estarão sendo usadas as urnas com identificações biométrica.
Prudêncio previu também, lá nos idos de 2003 o voto em trânsito que será usado pela primeira vez neste fim de semana, nestas eleições, para eleitores que estiverem nas capitais. Mas é possível que isso seja universal, em qualquer parte do mundo que o eleitor estiver e conseguir contato com um computador ele poderá votar, pois todo o sistema eleitoral estará interligado.
No futuro, segundo Prudêncio, não haverá mais necessidade da seção eleitoral, pois essa será substituída por terminais de computadores, de escolas e órgãos públicos, localizados em pólos, ao invés das tradicionais urnas eletrônicas. “Os benefícios serão inúmeros, como por exemplo, diminuição dos custos e do número de pessoas envolvidas no processo eleitoral, maior rapidez na tabulação e contagem de votos, absoluta segurança, imunidade à fraude eleitoral e transparência, o que continuará garantindo a lisura do processo eleitoral, de modo a assegurar o voto livre e consciente, um dos princípios intrínsecos da democracia”, finaliza ele.

Texto de Celso Deucher publicado no Jornal Tribuna Regional em 1º/10/2010. Retirado do site História de Brusque.

O computador usado na primeira urna eletrônica
Foto Duda Cavichiolli

Matéria de 2002 do jornal A Notícia